Antes do sinal.
Ontem, cheguei
cedo à Escola Xavier Marques. Poucos professores, alguns funcionários, as
crianças ainda não haviam começado a chegar. Fiquei no pátio durante um tempo,
refletindo sobre alguns dizeres extraídos de um vídeo que tinha assistido há
uns dias. Uma delas é algo como: “em alguns lugares as portas se fecham para que não se
possa entrar fora do horário de funcionamento – como cinemas, bibliotecas,
teatros, etc -; noutros lugares as portas se fecham para que não se possa sair -
entre esses lugares estão as penitenciarias e as escolas". De fato, já há algum
tempo, me incomoda perceber como a estrutura das escolas de nosso país –
sobretudo as públicas - se assemelham a presídios. Grades e cimento para todos
os lados. As áreas de lazer soam como "áreas para o banho de sol". E com o espaço vazio, sem as crianças, a frieza é ainda mais perceptível. [ No entanto, tem uma pequena área da Xavier Marques muito interessante: logo na entrada da escola, à esquerda, temos um pequeno
jardim contrapondo-se a essa premissa. É um jardim pequeno, mas grande o
suficiente para que percebamos sua importância.]
Pouco
a pouco as crianças foram chegando. A medida que o número crescia, as
brincadeiras, correria, risos, aumentavam. Foi aí que cheguei noutra reflexão –
nascida também a partir de algo que ouvi no relatado vídeo: ao contrário do que
se possa imaginar, a maioria das crianças gosta da escola. As horas da chegada
e da partida demonstram bem isso. Com as crianças ali brincando, percebi que
elas estavam onde queriam estar. [Num dado momento, um dos pequenos se
aproximou de mim e começamos a conversar. Ele, falando pelos cotovelos, pôs-se
a contar de um filme que assistira na noite anterior. Após algum tempo, um de
seus colegas veio ao seu encontro: “ô, C., vamo brincar!” – esse chamado me
soou como: “vamos aproveitar! O tempo está passando, logo a aula começa!” A
criança logo “se toca” e sai correndo ao lado do colega. Ele percebe que é
preciso matar a sede daquele instante – logo o instante acaba!
O sinal toca.
Como Ednaldo
estava bastante atarefado com os preparativos do Festival da escola, me pediu
que ensaiasse, com o auxílio de uma das professoras, as turmas e alunos que se
apresentarão. Me entregou uma lista com as letras das músicas, um cd, um repertório
indicando as faixas do disco e quem as cantaria, as chaves da sala, conversamos
um pouco sobre o processo e eu subi. Ajeitei tudo e esperei a professora, que
também tinha ficado encarregada de trazer os alunos para a sala. A experiência
foi muito boa. Alguns alunos já se mostravam bastante familiarizados com as
letras e a melodia, o que deu uma dinâmica muito interessante aos ensaios. O
Festival é dividido por categorias e em algumas delas os alunos podem se
apresentar sozinhos ou duplas. O prof. Ednaldo criou uma categoria especial, em
que os alunos poderiam se apresentar em grupos, para fazer com que mais alunos
participassem. Nesse caso, algumas salas quase que inteiras estavam lá. Numa
delas, a professora e eu precisamos refazer uma coreografia que havia sido
ensaiada. Esse foi um caso muito interessante: a aluna que mais sabia a
coreografia e que tinha ajudado a criá-la havia sido afastada por um problema
de indisciplina.
Pude perceber
que o Festival é um acontecimento no colégio. Os alunos querem participar, se
preparam. No caso da aluna que relatei acima, seu afastamento foi sugerido como
uma medida de discipliná-la. Ednaldo ainda tentou argumentar que em sua aula,
ela se saia bem. Mas a decisão mais acertada, segundo o julgamento das
professoras e da diretora, seria afastá-la. Pude conhecer a menina e reconheço
que seu comportamento não é dos melhores. Mas essa questão me pôs uma conjunto
de pulgas atrás das orelhas: privar alguém de algo é a melhor forma de
disciplinar? Observei uma conversa do professor com a garota, ao fim da aula, e
durante a conversa e várias reflexões foram pulsando em minha cabeça. Mas já
escrevi muito. A reflexão fica pra outra hora.
Zé, suas reflexões me fizeram refletir muito também a respeito disso tudo. Sobre a comparação feita entre escola e presídio, penso que os muros da escola se diferem dos muros de um presídio em relação a quem se destina a segurança. Os muros da escola servem para certificar as mães e pais de que suas crianças estão seguras por aquelas horas, porém, as crianças lá dentro precisam se sentir livres, seja no pátio, na sala de aula, na secretaria... O sentido de liberdade tem de estar presente a todo momento. E como fazemos isso? Aí entra outra questão que é: de que forma estamos proporcionando essa tal liberdade para nossas crianças? Penso que devemos sempre escutar essas crianças. escutar sobre suas necessidades, suas curiosidades, suas vontades, e acima de tudo, escutar seus instintos criativos, que não são pequenos. AS crianças e adolescentes precisam de mais oportunidades pra criar, pra dar asas à imaginação. Acredito que dessa forma elas se sintam valorizadas e tenham vontade de trocar. Se nós professores nos colocarmos sempre naquele lugar de detentor do saber e nunca aproveitar o que elas trazem, continuaremos a enfrentar os mesmos problemas sem achar soluções. Ou acharemos soluções equivocadas, tornando-as ainda mais prisioneiras e, consequentemente sem nenhum estímulo pra estar ali.
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